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Aconteceu há pelo menos 10 anos.

Resolvi ficar com meus colegas de trabalho em um Happy Hour. Quando voltei para casa,   já passava da meia noite. Era uma noite fria de Agosto. No meio da rua, à poucos passos de eu chegar em casa, fui abordada, colocada dentro de um carro e estuprada.

Meu primeiro pensamento depois que tudo passou  foi:  “Porque eu? Eu estava de calça jeans, botas sem salto, uma blusa de lã com gola alta e usava cabelos curtos. Não era o perfil de uma pessoa “Estuprável”.

Mas realmente temos perfil para ser estupradas? Ou basta sermos mulheres para que isto aconteça?

Será que nossas roupas, ou nossa postura é um convite para que um homem nos subjulgue, nos humilhe, nos machuque?

Neste último sábado, 04 de junho de 2.011, aconteceu na Avenida Paulista a Slut Walk ou “Marcha das Vadias”. Se você não conhece, visite este site

Esta marcha foi um grito de todas as mulheres que sentem-se acuadas diariamente nas ruas por olhares maliciosos, palavras abusivas, gestos agressivos dos homens e até mesmo de mulheres por nos vestirmos de maneira como eles gostam de dizer “fácil” ou “slut” (vadia).

O número de mulheres estupradas em São Paulo no último trimestre foi de 3.585. Eu já fiz parte desta estatística, infelizmente.

Poucas pessoas, além do meu círculo familiar e de amigos íntimos sabem o que aconteceu comigo.

Foram semanas de angústia, de desespero. Tive que tomar um coquetel de remédios (o mesmo coquetel que pessoas portadoras do HIV tomam). Minha alma adoeceu, meu espírito enfraqueceu. Por dias não sentia vontade de sair de casa, de trabalhar, de falar com as pessoas.

Vi o desespero nos olhos da minha mãe, a culpa na do meu irmão, como se ele tivesse falhado comigo em não estar presente naquela hora e me proteger.

Todos os dias eu fui “violentada mentalmente” pelo meu agressor.

Até que decidi dar um basta. Joguei os remédios no vaso sanitário e tomei as rédeas da minha vida.

Foi um risco? Sim, com certeza. Mas eu paguei pra ver.

Não deixei que isto afetasse minha vida sexual ou o modo de me vestir.  Mas a ferida sempre existirá.

A minha pergunta é: “Porque temos que nos privar de sermos mulheres e femininas?”

Somos vadias por usarmos decotes e saias curtas ou os homens é que são doentes por não conseguirem se controlar?

Porque temos que repensar nosso guarda roupa, nosso linguajar, nossas escolhas sexuais?

A mulher conquistou o direito ao voto, muitas mulheres são a “chefe de família” sustentando seus filhos e em alguns casos até seus maridos.

As mulheres estão no poder, estão à frente de grandes corporações.

Mas mesmo assim somos taxadas de vagabundas se tivermos vários parceiros sexuais. Somos taxadas de vadias se usamos um decote pronunciado.

Todos os dias passamos pelo constrangimento de sermos vistas apenas como um SEXY TOY.

O que esperamos é um mínimo de respeito por nossas escolhas. Que tenhamos o direito de andar livremente, sem sermos importunadas.

E mais do que nunca, que eu possa ser feminina, sem medo de ser morta por isto.

Que o direito ao meu corpo seja respeitado!

Um dia Perfeito

Bia acordou com os primeiros raios de sol entrando pela janela. Espreguiço-se e com um sorriso brincando nos lábios, saiu da cama indo até a varanda.

– Bom dia sol!
Cenas da noite anterior invadiram seus pensamentos, mas ela as afastou com um balançar de cabeça. Hoje nada iria estragar o seu dia.
Correu para o banheiro para tomar uma ducha rápida e sair para ir à padaria. No caminho encontrou a jaqueta do namorado.
Aproximou o nariz para sentir o seu cheiro. Novamente as cenas da noite anterior voltaram e desta vez não foi possível afastar.
– Ele tinha que estragar tudo!

Tudo começou com uma discussão boba. Novamente a cobrança por causa dos meus ciúmes. Tá, eu sei que às vezes exagerava que não tinha sido legal riscar o carro daquela vaca da academia só porque ela tinha dado uma carona pra ele. Mas, também, porque a loira oxigenada tinha que se engraçar logo para seu homem?

Depois disso, eu tentei consertar a situação, fui até o serviço dele, usando meu melhor perfume e uma lingerie de arrasar qualquer mal humor masculino. Só que ele estava na defensiva, dizendo que não agüentava mais aquelas cenas, que a sua vida tem sido um inferno. Como assim um inferno? Eu faço tudo por ele! Sou a melhor namorada do mundo.

Só que eu espero um pouco mais de atenção. É esperar muito? É querer muito que a pessoa ligue de vez em quando pra dizer se está bem? Depois ele reclama que eu ligo 10 vezes no dia. Claro eu fico aqui sem saber de nenhuma notícia, se ele dormiu bem, se chegou bem ao trabalho, o que almoçou (e principalmente com quem), se ele me ama.
Daí quando eu comecei a gritar que ele ainda tinha a cara de pau de defender aquela vagabunda, ele vem me dizer pra calar a boca!
Mas no fim ele acabou vindo comigo pra casa. Eu sabia que ele não resistiria a meu charme, afinal ele sabe que eu o amo mais do que qualquer coisa.
Só que quando chegamos aqui ele estava frio. Tentei quebrar o gelo abrindo uma garrafa de vinho e acendendo velas. Fiz meu melhor strip tease e ele só pedia pra eu parar. Quando tentei tirar a sua roupa ele me empurrou. Sabe doeu. E doeu mais quando ele disse que não dava mais. Que não podia mais continuar aquela história.

Eu chorei e implorei pra ele ficar. Disse que iria mudar que iria procurar ajuda, mas ele não queria me ouvir. Foi na direção da porta dizendo que ia embora e que era pra eu esquecer que ele existia. Fiquei com raiva e joguei a garrafa de vinho em cima dele. Que sujeira…

Ele ficou louco e veio pra cima de mim, pensei que iria me bater. Ai foi pro banheiro dizendo que eu ia pagar caro por isto. Sei lá, perdi a cabeça, não queria machucá-lo.
Um gemido a tirou de seu devaneio. Aproximou-se da cama, e do homem ensangüentado e amarrado. Fez um carinho em sua cabeça sem perceber o olhar de medo:

– Não se preocupe meu amor, este dia será perfeito para nós! Eu vou cuidar de você, prometo.

Faz muito tempo que preciso detalhar a minha experiência em fazer um nú artístico.

Na realidade este ensaio ocorreu ano passado. Mas tantas coisas aconteceram neste meio tempo que simplesmente não tive tempo (e cabeça) para escrever.

O convite surgiu da Camila Fernandes, que me apresentou para a Nathalie Gingold. Eu não pensei duas vezes, logo usei de toda a minha cara de pau e me apresentei à Nathalie, me colocando a disposição para ser uma de suas modelos.

Por sorte (minha) ela aceitou na hora. O ensaio aconteceu na casa da Mila, cercada por outras “modelos” como a Cristina Lasaitis e ela própria.

Confesso que no início foi difícil vencer a barreira de tirar a roupa e saber que todas as minhas imperfeições ” (ou seriam as minhas encanações?) seriam vistas por milhares.

Mas com o passar do tempo (e algumas taças de vinho, rs) fui relaxando e deixando que as coisas acontecessem naturalmente.

Hoje, após meses deste dia e após a dura tarefa de escolher as melhores fotos, percebo que este ensaio mexeu muito comigo.

Me mostrou o que eu posso ser, o que eu posso fazer e o que eu tenho que vencer.

Não sou a garota da Playboy. Nem nunca serei. Eu sou a mãe, irmã, filha, sobrinha. A garota do caixa do supermercado,  da fila do banco. A garota no ponto de ônibus,  que cuida de si e de sua família. A garota que ama, chora, sofre, ri, come, peida, sente dor, sente tesão.

Sou todas as garotas do mundo e sou única. Porque acima de tudo, sou Mulher.

E se eu não sou o “padrão de qualidade mundial”, não me importo. Afinal os padrões mudam. Um dia ser Marilyn Monroe com seu corpo maravilhoso tamanho 46 foi o que havia de mais belo e sensual.

Foi? Acho que não, afinal quem ainda não se sente tentada a deixar a saia subir ao passar por cima da tubulação de ar da rua?

Pequenos Desabafos

Ontem assistindo a um seriado na TV ouvi a seguinte frase: O contrário do amor não é o ódio e sim a indiferença.

Analisando friamente isto é a mais pura verdade.

Maria, seu nome soa como prece. Seu corpo leva a loucura.

Maria das Graças. Negra das ancas largas de rebolado enlouquecedor. Já fora convidada para ser musa de marchinha, mas nunca se interessou. Gostava de ser apenas Maria, a lavadeira. Nascida e criada na Cantagalo, Maria ainda pequena assistiu ao nascimento dos primeiros barracos nos idos dos anos 30. Comunidade pequena, onde todos conhecem a vida de todos, Maria era vista como moça de família, temente a Deus. Seu único pecado era ser casada com um bêbado que gostava de vida fácil e muitos goles de água ardente.

Foi isto que primeiro atraiu a atenção do Padre Vitório. A honradez daquela ovelha. O fervor com que fazia suas preces. Mas o que mais chamou sua atenção era como seus lábios carnudos se mexiam enquanto murmurava uma oração, ou quando eles ficavam ressecados e a língua corria sobre toda a sua extensão, o sorriso fácil que sempre tinha para todos, logo após o término da missa, a covinha que se formava no lábio inferior, quando estava concentrada ouvindo ao sermão. Depois, foram as pequenas gotas de suor sobre a boca, os seios que subiam e desciam, apertando o tecido do vestido simples, protestando por estarem presos e longe do toque de seu amante. Ela era a encarnação do pecado, com seu rosto de anjo.

Padre Vitório a via entrar todos os dias na igreja. Os cabelos crespos encobertos por um véu surrado. O ritual diário de ajoelhar-se fazendo o sinal da cruz. A luz da rua, formando uma aura sobre seu corpo.

Depois o caminhar. Lento, provocante, fazendo com que o coração batesse ao ritmo de seu quadril. Esquerda, direita. Até perceber que não respirava mais. Ela se aproximava, trazendo o cheiro de rosas e suor.

– A benção padre.

– Deus te abençoe.

De forma apressada, ele saia em direção à sacristia. Os demônios da luxúria turvando sua mente. O hálito dela, queimando a pele ressequida de sua mão.

Mas eram as noites que mais o atormentavam. Era quando o cansaço vencia a vigília das orações que a mente corria atrás de sua Maria. Maria com seu corpo de Ébano, adentrando ao quarto, trazendo o cheiro do suor e do pecado. Sem pudor, arrancava sua batina, esfregando o corpo no seu. A língua descrevendo um caminho de fogo seguia até seu pênis que pulsava em desespero. Os lábios carmim sugavam seu sexo, arrancando gemidos de prazer. Seus corpos enroscados em uma luta sem vencedor, seios balançando com o movimento frenético dos quadris. Maria oferecia-se para seu deleite, uma potranca de quadro, gargalhando com as lágrimas de culpa que escorriam pelo rosto do homem, regogizando-se com os grunhidos que escapavam a cada estocada. O gozo trazia a realidade. Nestas noites, o sêmen fresco escorria em suas pernas, e as lágrimas inundavam o travesseiro.

E aquela tortura diária afetou o sentido do padre. Seus sermões, cada vez mais inflamados, falavam do pecado da carne, de como o demônio rondava os inocentes. Seu olhar febril corria por sobre os fiéis e sua voz de trovão, proclamava o apocalipse:

– Temam meus filhos! O demônio está em todas as partes. Ele se esconde por trás da inocência. Ele nos testa diariamente. Mas Deus está com aqueles que não refutam o seu poder!

E na primeira fileira, lá estava ela. Maria. A cada palavra, um estremecimento transpassava seu corpo, era como se o êxtase religioso, a fizesse chegar ao êxtase sexual. Suas mãos se uniam, pressionando o tecido do vestido entre suas pernas, um orgasmo em nome do Divino. Os lábios entreabertos sugavam o ar como se fosse difícil respirar.

– O corpo de Cristo. A mão trêmula seguia em direção a língua que se ofereceu, atrevida. A Hóstia é recebida com um suspiro de prazer e adoração. Seus olhos se encontraram. Os dela, duas esferas castanhas e brilhantes. Os dele, escuridão com um segredo no fundo das íris.

Os dias se transformaram em semanas e as semanas em meses. E a aflição do homem santo, apenas aumentava. Como também as marcas da autoflagelação em sua carne. Pediu sua transferência de paróquia.

Já escurecera quando terminou de embrulhar seus parcos pertences. Uma refeição frugal o aguardava, mas foi interrompida por batidas na porta da frente. Pela urgência com que o som chegava aos seus ouvidos, percebeu que era algo importante.

– Quem é?

– Sou eu padre, Maria.

O desespero tomou conta de seu coração. Porque ela não podia deixá-lo em paz? Entreabriu a porta. Ela estava encolhida num canto. Seu olhar varria a rua, como se fugisse de algo.

– Por favor, me deixe entrar.

Afastou-se para que ela passasse, prendendo a respiração quando seus corpos roçam de leve.

– O que houve minha filha? Já é tarde.

Ela pede para passar a noite ali. Diz estar com medo do marido, que novamente chegou bêbado em casa, ameaçando-a com uma faca. Mostra a marca no pescoço e o filete de sangue que escorria.

Perguntou por que não havia chamado a policia e um sorriso, que não alcança seus olhos cansados é a única resposta.

Pegou gentilmente suas mãos levando-a em direção aos fundos da igreja. Ela podia ficar ali por esta noite, mas amanhã, eles iriam juntos prestar queixa.

Lá estava ela, como em seus sonhos. A fraca luz da rua iluminava pedaços de seu corpo. Dormia em sua cama, enquanto ele se recolhe na igreja. Mas não conseguiu resistir ao desejo de observá-la dormindo. Aproximou-se devagar, sentando na beirada do colchão. Ela respirava suavemente e seu cheiro de fêmea impregnava o pequeno quarto. Com total reverência começou a contornar com as mãos suas formas. Primeiro as pernas, passando pelos quadris e a cintura fina, aproximando-se dos seios que estremecem. Assustado olhou para o rosto que o observava com terror.

– Pai nosso que estais no céu, santificado seja o vosso nome. Venha…

O restante da prece se perdeu num turbilhão de desespero. Nada podia salvá-lo agora. Nada podia mudar o que estava em sua alma. Nada podia afastar seus olhos daquela boca.

A polícia foi informada que o corpo de uma mulher havia sido encontrado no terreno baldio na entrada da favela. Havia marcas de violência sexual, e a causa da morte foi asfixiada. O médico-legista não conseguiu identificar o que havia sido usado. O padrão era de marcas profundas como se fosse um colar de contas.

Descobriram sua identidade que os levaram direto ao marido. O histórico de violência, alcoolismo e a faca com resquícios de sangue foi o suficiente para eles. Afinal a polícia não tem o hábito de perder tempo em briga de marido e mulher, ainda mais de favelados.

A nova paróquia era nos confins do nordeste. A vida seguiu seu rumo, entremeadas de missas, confissões e trabalhos de evangelização. Quando a noite caía e enquanto murmurava sua prece, o primeiro sinal de sua presença já se fazia sentir. Era um cheiro de rosas, suor e carne podre. Em meios às lágrimas de desespero, sentia as mãos geladas tocarem seu ombro, e o corpo rijo encostar-se ao seu.

– A benção, padre.

Boas Novas

Boas notícias. Fui convidada pela Editora Andross a participar de uma antologia de contos de terror! O lançamento será dia 21 de novembro.

Depois darei mais detalhes, o que posso adiantar que o título do livro será: Marcas na Parede…. arrepiante! rs

Natureza morta? Nunca!

Natureza viva, vibrante, onipresente.

Coração, alma, sangue verde!

Em cada pedaço do mundo, em cada célula do meu corpo…

Eram 05h30 da manhã em Langkawi – Malaysia. Ainda sob o efeito de um fuso horário de 11 horas (a mais), acordei e não conseguia mais pegar no sono.

Para não acordar a minha companheira de quarto, decidi sair para fumar um cigarro e curtir a solidão da madrugada. Preparei um café expresso (santa maquininha dentro do quarto) e segui o caminho até a praia. O dia amanhece mais tarde na Malaysia, portanto ainda estava bastante escuro.

As chegar na praia, fui brindada com a paisagem abaixo. A Grande Mãe, brilhando em todo seu esplendor. Ali percebi que na presença dela, nunca estamos só.

A Dama Negra

CHINON – 1790

O trote do cavalo atraiu o olhar da curandeira que assistia tudo pela janela de sua cabana. O homem, elegantemente vestido, atravessou a vila com altivez em direção ao Chateau Chinon.

A mulher apertou os olhos cansados enquanto buscava no velho baú as cartas do tarot. Empurrou os restos do parco jantar para um canto abrindo espaço para as cartas. A seqüência deixa seu coração apertado:

– O louco. Ele busca aventuras.

Tira uma nova carta e depara-se com a imperatriz:

– A Dama Negra, o encontro será certo.

Outra carta sai do monte:

– A torre, algo de terrível nascerá deste encontro.

Quase sem coragem retirou a última carta e com um grande estremecimento a colocou no final de todas.

– A morte.

***

Guillaume atravessou a “Ville” sem notar as pessoas a sua volta. Seu destino é certo: O Chateau Chinon, onde finalmente conhecerá a famosa Condessa. As histórias sobre a “Dama Negra” chegaram como sussurros assustados aos ouvidos do Rei, que enviou seu melhor vassalo para descobrir o que era verdade e o que eram “crendices” de camponeses.

A lua já começava a despontar no céu, quando finalmente ele chegou aos portões do castelo.

Foi conduzido até uma sala íntima, onde a lareira ardia, exalando o cheiro de madeira queimada. Observando aquela atmosfera, um arrepio atravessou seu corpo. Aquele já havia sido o lar de Delfim Carlos VII – Rei da França entre 1422 a 1461 e local onde fora visitado por Jeanne D´Arc “A Louca de Orleans” como era conhecida de forma jocosa pelos nobres da corte do Rei Luis XVI. Aquelas paredes guardavam segredos e traições. O maior deles, era o que cercava a morte do Conde Philippe Monvandelle.

****

Os sons noturnos invadiram a masmorra despertando Valerie de seu sono hipnótico.

Afastou as pesadas cortinas de veludo negro que protegiam seu leito, espreguiçando-se feito um felino.

Seus olhos ganharam um tom avermelhado quando percebeu a aproximação de alguém, voltando ao normal ao ver que se tratava de Marie, sua camareira.

– Entre, Marie

O coração acelerado e a respiração entrecortada da garota, denotam o terror por estar na presença da Condessa de Morvandelle..

– Boa noite, Madame. Trouxe seu vestido.

Valerie aspira o terror da serviçal e a fome queima seu estomago.

– Que aconteceu Marie? Porque estás tão nervosa hoje? – observando com sofreguidão sua jugular pulsante.

– Não há nada, madame. Sabeis que sou uma tola e não sei me portar diante de sua presença.

Valerie afastou-se sem perceber o brilho de ódio que transpassou os olhos de Marie. Ela não tinha tempo para tolices. Precisava se preparar para aquela noite. Sabia que ele estava chegando.

Despiu as vestes expondo o corpo perfeito aos olhos invejosos de Marie. A coloração doentia da pele era a única coisa que destoava da descrição de uma Deusa: longos cabelos negros que chegavam à metade das costas, cintura fina e delgada, pernas longas e torneadas, nádegas redondas e firmes, seios fartos que fariam qualquer homem desejar morrer só pelo prazer de tocá-los. A boca carnuda, trazia a promessa de um sorriso, os olhos eram duas esmeraldas que tiravam a respiração de quem os encarasse mas também eram capazes de cortar a carne como navalha, quando estavam enfurecidos.

Marie começou ajudá-la a vestir o pesado vestido vermelho. Ao encostar na pele fria um esgar de nojo perpassa seu rosto, mas ela tratou de disfarçar. A Condessa permaneceu indiferente à camareira, envolta nos seus pensamentos soturnos. Se fosse possível, seu coração estaria batendo no mesmo ritmo de seus pensamentos. Mas havia muito tempo que isto não acontecia, pois fora transformada numa criatura da noite, uma bebedora de sangue, uma vampira.

***

FLORESTA DE CHINON – 1779

Uma forte chuva ensopava as vestes da guarda do Conde de Monvandelle. Os cavalos, impacientes, ameaçavam todo o momento jogar seus cavaleiros ao chão. A noite sem luar tornara a floresta de Chinon assustadora, e todos ansiavam pela segurança dos muros do castelo.

Dentro da carruagem o casal fazia a viagem em total mutismo. Valerie estava entediada e com ódio de sua irmã. Havia descoberto que ela mantinha um caso secreto com seu marido. Seu ódio não era gerado pelo amor que supostamente deveria sentir pelo conde. Isto seria impossível, já que ele não passava de um velho bêbado e devasso, mas sim pelo fato de sua irmã achar que poderia tomar seu lugar. Envolta em seus pensamentos, assustou-se com os gritos dos soldados e o solavanco da carruagem que parou abruptamente.

Tentou enxergar através da janela e com horror viu um vulto imenso atacando um dos soldados, degolando-o na mesma hora. Os demais tentavam atingi-lo com suas espadas, mas parecia que sua carne era feita de ferro, pois nada o feria. Um a um, todos tombaram. Como por encanto, a chuva parou e a lua apareceu por detrás das nuvens, iluminando a clareira onde jaziam os corpos mutilados e o misterioso homem.

Procurou a segurança dos braços do Conde, mas, para sua surpresa, ele a havia abandonado a própria sorte, correndo através das árvores.

– Covarde! – gritou para o vazio com desespero na voz.

– Não se preocupe Madame, vós ainda o vereis.

A voz rouca e melodiosa fez seu sangue correr mais rápido. O mesmo homem, surgira em frente à porta escancarada da carruagem, deixando-a sem fala. Ele possuía um dos mais belos rostos que Valerie jamais viu. A pele excessivamente branca era emoldurada por sedosos cabelos loiros. O queixo forte possuía uma covinha que suavizava as linhas quadradas do rosto. A boca era carnuda e vinha acompanhada de um sopro entorpecente. Mas o que cativou Valerie foram os seus olhos. Profundos e azuis, com sua íris entremeada de traços acinzentados, remetiam ao mar, cuja placidez da superfície oculta os demônios que reinam em sua profundeza.

Valerie foi tomada pelo entorpecimento. Aqueles olhos a chamavam para uma aventura de prazeres e dor. Seu corpo inteiro ansiava pelas mãos daquele homem a ponto de sentir-se ruborizada. Um levantar de sobrancelhas mostrou que o ele sabia o que ela queria.

Tomou suas mãos e a conduziu para a noite. Por mais estranho que aquilo parecesse, sentiu como se estivesse voltando para casa. Os anos de tédio, rancor e noites solitárias ao lado do marido desapareceram de sua mente, enquanto o misterioso homem a aninhava em seu peito largo, sussurrando as maravilhas que a aguardavam estando ao seu lado.

– Tu sempre estarás segura ao meu lado. Busquei-te pela eternidade, te desejei e amei desde tempos remotos. Tu serás sempre o meu verdadeiro amor.

Ele a tomou em seus braços beijando seus lábios até sangrar. Um gemido escapou de sua garganta enquanto o homem erguia as várias saias, puxando sua anágua para tocar suas coxas.

Suas mãos geladas, subiram até o ponto entre suas pernas, enlouquecendo-a de prazer. O restante do vestido foi rasgado com fúria expondo seu corpo jovem ao desejo insano daquele homem.

Deitou-a na relva com reverência. Seus olhos prendiam o olhar de Valerie, prometendo prazeres inimagináveis.

Tomou seus seios entre os lábios, sugando os bicos intumescidos enquanto as pernas dela enroscavam-se nos quadris do estranho. Mãos nervosas procuravam afastar as roupas dele, que eram a única barreira entre seus corpos. Quando a pele fria encontrou a pele em brasa dela um estremecimento tomou sua alma. Ela sabia que estava perdida. Que daquele momento em diante iria onde ele quisesse, que sua alma e sua vida lhe pertenciam para sempre. Ele encaixou sua masculinidade entre as pernas da mulher, puxando sua orelha para bem perto de seus lábios:

– Minha doce Valerie, eu te ofereço o maior dos presentes e a maior das maldições. A vida eterna. Se tu quiseres me acompanhar nesta aventura, apenas diga sim.

– Sim, meu amor.

Ele a penetrou com fúria enquanto seus dentes afiados rasgavam a pele alva de seu pescoço. Um grito de prazer e dor acompanhou o movimento desenfreado dos quadris de Valerie, que sentia a cada estocada, sua vida esvaindo do corpo. No auge do prazer, ele rasgou o próprio pulso e fez com que ela bebesse do seu sangue maldito.

Uma dor insuportável correu por seu corpo. Tentava a todo custo respirar, mas seu pulmão estava fechado. Arregalou os olhos e encontrou o olhar do vampiro que agora eram duas brasas. Tentou gritar mas nenhum som saía de sua garganta. Antes de cair desacordada ouviu a voz do anjo demoníaco sussurrar:

– Minha doce esposa, nos encontraremos novamente.

Os vassalos do Conde de Monvandelle encontraram um cenário de terror na manhã seguinte. Corpos mutilados espalhavam-se em torno da carruagem vazia. Por todo o dia, procuraram o Conde e a Condessa, encontrando-o a alguns metros de distância totalmente transfigurado. A cabeça havia sido arrancada e empalada. A única sobrevivente foi encontrada em uma caverna, nua e ensangüentada.

Daquele dia em diante, os hábitos da Condessa tornaram-se estranhos. Não queria comer, trancava-se em seu quarto durante o dia, proibindo que qualquer pessoa se aproximasse, saindo somente quando a noite chegava.

Apesar de mais bela do que antes do misterioso ataque, trazia sempre uma aparência doentia, com sua pele quase translúcida.

O mais estranho foram os acontecimentos posteriores. Vassalos desapareciam misteriosamente, animais apareciam estraçalhados nos currais e estábulos. O terror tomou conta da pequena vila medieval onde as pessoas evitavam sair à noite.

***

Guillaume saiu de seu devaneio quando o perfume de lavanda atingiu suas narinas. Na porta, a mais divina de todas as mulheres o observava com um sorriso misterioso.

– Minha escusa, nobre senhor. Espero não tê-lo feito esperar demais.

Ele ficou emudecido perante a beleza daquela mulher. Sentiu que o ar fugia de seus pulmões e um estremecimento tomou sua alma.

– Senhora, para ser agraciado com tamanha beleza eu aguardaria a vida toda.

– Pois então pouparei o seu tempo.

As palavras misteriosas acenderam um alerta na mente entorpecida de Guillaume. Ele tinha uma missão e não podia deixar-se dominar pelo desejo.

– Condessa, o que me traz até vossa presença são relatos inquietantes que chegaram ao conhecimento de vossa majestade. Estes os relatos dão conta do sumiço de muito de seus vassalos e da insegurança que ronda este nobre vilarejo.

– Mas de onde vem tamanho absurdo, Monsieur? – apesar do tom descontraído, Guillaume assustou-se com a fagulha que atravessou o olhar da Condessa.

– Temo dizer que os relatos vieram de dentro de seu próprio castelo, Madame. – retirando do bolso um pedaço de papel que trazia o selo do Conde de Monvandelle.

Ao ler o que estava escrito, uma fúria cega apoderou-se de Valerie. Seguiu para a mesinha próxima a Chaise Loungue, procurando o pequeno sino de prata. Tocou-o freneticamente até que na porta surgiu a camareira Marie.

– Marie, acredito que já conheça Monsieur Guillaume Phillipe Vingnon. Monsieur Guillaume é com prazer que apresento Mademoiselle Marie Isabelle Pouillieute, minha irmã.

Atônito, o homem olhou para a camareira, a mesma que havia conduzido-o até aquela sala, e só então percebeu certa semelhança com a Condessa. Os cabelos também eram pretos, mas de longe carregava a beleza e sensualidade da irmã. Seus olhos eram apáticos e o corpo magro ficava escondido por baixo do vestido de tecido barato.

Marie, acuada em um canto, olhava a irmã com ódio e medo. Sua traição havia sido descoberta antes do tempo. Esperava a presença do vassalo com o sol alto, quando teria a chance de fugir da fúria de sua irmã e assistir de camarote a destruição daquele monstro. Seria a oportunidade tão esperada de finalmente tomar o seu lugar. Só não imaginava que o Rei enviaria um tolo sem escolta até o covil do demônio.

Sons de gritos e espadas sendo empunhadas, chegaram aos ouvidos apurados da vampira. Com cautela, aproximou-se da janela. Uma horda de aldeões carregando tochas e cruzes, travaram breve batalha com os guardas dos portões, e agora tomavam os jardins, forçando a porta de entrada.

– Peguem o demônio! Queimem a bruxa!

O ódio transformou a bela Condessa em um ser assustador. Os olhos dantes verdes, brilharam como dois rubis, e entre os lábios surgiram duas enormes presas.

Antes que Marie tivesse tempo de reagir, a vampira já estava ao seu lado, cravando os dentes em seu pescoço e sorvendo com voracidade o líquido viscoso.

O corpo inerte da irmã foi largado quando sentiu algo queimando seu peito.

Um grito de terror reverberou pelas paredes do castelo. De modo sorrateiro, Guillaume aproximara-se dela, enfiando uma adaga de prata em seu peito. A Vampira empurrou o homem, que caiu com o pescoço quebrado.

A dor espalhou-se tornando seus passos mais lentos. Neste momento, a porta foi escancarada e os aldeões adentraram a sala, à caça da Condessa.

– Ela está aqui!

***

Ao saberem da chegada do vassalo do rei, os líderes da pequena vila tomaram coragem para invadir o castelo. Após comungarem com o pároco da igreja local, muniram-se de tochas, foices, cruzes e muita determinação, seguindo para os portões onde os poucos guardas que restaram, não tiveram a menor chance. Um fervor alucinado os conduziu à porta de entrada, que foi forçada até que finalmente adentraram no covil do demônio.

O medo fazia seus corpos transpirarem e a coragem ameaçava deixá-los. O ambiente recendia a morte. Um vento gelado atravessou seus corpos, com mãos frias e vozes demoníacas. A coragem começou a abandonar seus corações, mas já era tarde demais para recuar. Precisavam encontrar a Condessa e acabar com a maldição que havia tomado aquelas paragens. O grito horrendo atingiu seus ouvidos e num último ímpeto, correram em direção do som.

O vulto atingiu-os antes que tivessem tempo de reagir. Corpos amontoaram-se na entrada do castelo. Gritos de dor e desespero enchiam de prazer os ouvidos do homem. Um banquete de dor e sangue matou sua fome.

Os aldeões corriam em desespero derrubando suas tochas e deixando para trás seu símbolo de fé, tão inútil diante de tamanho poder. Em pouco tempo o fogo lambeu as cortinas subindo pelas paredes.

Antes que o fogo tomasse completamente o ambiente, o ser demoníaco refugiou-se no lugar onde sua amada jazia ferida. Tocou seu rosto frio e com todo amor a ergueu em seus braços. A fumaça começou a penetrar na sala, trazendo o fogo que teria o poder de exterminá-los. Com leveza, saltou do alto da torre, e seus pés quase não fazem barulho ao tocar o solo. Com o castelo já completamente em chamas, segue rumo à floresta, tendo como testemunha a lua, sua algoz, que os observava com a indiferença de uma Deusa Frígida.

***

Os anos passaram em Chinon. Daquela noite, restaram apenas as cinzas do castelo. Os poucos que sobreviveram, afirmaram que a Condessa morrera queimada, juntamente com o vassalo do rei.

Não houve tempo para represálias por parte de Luis XVI. Pouco tempo depois estourou a revolução francesa, que o levou, juntamente com Marie Antoinette, à Guilhotina.

Os sons de “Vive la Révolution” tomaram as ruas do povoado. Todos acreditavam que era o fim da maldição e da miséria para o povo.

A velha curandeira já não tinha forças para sair de seu leito. Ela sabia que seu tempo estava acabando. Ouvia a alegria dos jovens e seu coração apertou-se. Com as mãos fracas pela idade, puxou pela última vez as cartas do tarot.

– Estão todos condenados. – Sibilou, fechando os olhos pela última vez.

A carta da Imperatriz jazia no solo, trazendo a promessa de noites amaldiçoadas.

– Ouça!

– O que?

– O barulho…

– Que barulho?

– Este, ouça!

– Você está louca, volta a dormir.

– Não sou louca, se você parasse de roncar seria mais fácil ouvir. Agora!

– Deve ser um gato rondando a lixeira, agora me deixa dormir em paz!

– Estou com medo, me abraça?

Ranger do colchão, braços gelados em volta do corpo trêmulo.

– O que foi agora?

– Parece que tem alguém no quarto…

– Ai que inferno, hoje se ta impossível mesmo!

– Tem alguém aqui, eu posso sentir…

– Deixa disto mulher, você anda imaginando coisas!

– Olha!

– O que porra?

– Ali no canto do quarto, tem um vulto se mexendo!

– Droga! Ei, quem é que é que tá ai? Eu to armado!

Luz sendo acesa. Clarão iluminando todos os espaços.

Um casal aparentemente chegando de viagem.

Cara de cansaço. Uma criança começa a chorar…

– Tudo bem filha, a gente já chegou, vou te por na cama…

– Não quero mãe, manda eles irem embora!

– Quem minha filha?

– Aqueles dois, deitados na cama…

– Não tem ninguém na sua cama filha, vai troca logo de roupa. E para de inventar que tem fantasma na casa!